"Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de
assaltantes. Estes arrancaram-lhe tudo, espancaram-no e foram-se embora,
deixando-o quase morto" (Lc 10, 30).
Não era muito
aconselhável "descer para Jericó". E a figura da parábola contada por
Jesus não devia ser um primor de comportamento! Até hoje são muitas as
estradas pelas quais passa a humanidade, cheias de riscos. São diversos
os assaltantes presentes nas "áreas vermelhas" das cidades e do campo.
Também a violência enfeitada, com a qual se despojam os pobres ou o
dinheiro público, escapam literalmente pelo ladrão da corrupção. Quando
tudo parece se iluminar por um punhado de benefícios sociais
considerados como "dádiva tão generosa", retira-se, através da
indignação das ruas, o véu que encobre manobras e abusos. E começou um
verdadeiro jogo de empurra entre poderes e instituições. Como o coração
humano não mudou, sucedem-se os escândalos, cujos detalhes nos
envergonham e entristecem.
Quem é o dono do comportamento
ilibado? Quem pode atirar a primeira pedra? Até que ponto vai nossa
capacidade de enfrentar os problemas e dar o primeiro passo para ajudar a
resolvê-los?
Ouvimos, nessa semana, uma provocação do Santo
Padre, o Papa Francisco, sobre um sério exame de consciência: "Também
hoje assoma intensamente esta pergunta: Quem é o responsável pelo sangue
destes irmãos e irmãs? Ninguém! Todos nós respondemos assim: não sou
eu, não tenho nada a ver com isso; serão outros, eu não certamente. Mas
Deus pergunta a cada um de nós: 'Onde está o sangue do teu irmão que
clama até mim?' Hoje, ninguém no mundo se sente responsável por isso;
perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude
hipócrita do sacerdote e do levita de que falava Jesus na parábola do
Bom Samaritano: ao vermos o irmão quase morto na beira da estrada,
talvez pensemos 'coitado' e prosseguimos o nosso caminho, não é dever
nosso; e isto basta para nos tranquilizarmos, para sentirmos a
consciência em ordem. A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em
nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver
como se fôssemos bolhas de sabão: estas são bonitas mas não são nada,
são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à
indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da
indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da
indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro; este não nos diz
respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!" (Homilia na
Ilha de Lampedusa, 08.07.2013)
A belíssima e provocante
parábola do bom samaritano é anunciada pela Igreja inteira neste fim de
semana. Dos chamados "padres da Igreja" recolhemos uma compreensão
magnífica do relato do Evangelho de São Lucas (Lc 10, 25-27). A
humanidade inteira perdeu, pelo pecado, o direito de estar no paraíso,
justamente chamado de Jerusalém. E ela desce para Jericó, cidade na qual
reina um calor sufocante, a vida febril do mundo que atrai para baixo. É
nesta estrada que é assaltada, despojada das vestes da perfeição,
faltando-lhe os mínimos traços da força de espírito, da pureza, da
justiça e da prudência.
Eis que veio ao encontro da humanidade
aquele que se deixou chamar "samaritano". Só Ele pode demonstrar com os
fatos quem é próximo e o que significa amar o próximo como a si mesmo.
Cristo é aquele que empreendeu a viagem da Redenção (Cf. Ef 8,8-10).
"Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas
despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao
ser humano" (Fl 2,6-7). É Ele quem passou pelas estradas do mundo e viu
as feridas da humanidade caídas, pois sua viagem tem como finalidade nos
visitar!
Aquele que quer a misericórdia e não o sacrifício (Os
6,6) derrama seu amor com o vinho e o óleo da Palavra e dos sacramentos,
toma sobre si as enfermidades de todos, pois, por suas chagas fomos
curados (Cf. 1 Pd 2,24). Entregou a humanidade à hospedagem chamada
Igreja, lugar de reunião e moradia para todos. Entregou como penhor duas
moedas de prata, o Antigo e o Novo Testamento. À Igreja cabe a alegre e
exigente tarefa de cuidar com carinho da humanidade até a volta do
Senhor (Cf. Severo de Antioquia, Homilia 89, em "I Padri vivi", Città
Nuova, 1983).
A todos os discípulos de Jesus Cristo é confiada a
responsabilidade pessoal diante das pessoas e dos acontecimentos. É
ainda do Papa Francisco, Papa da ternura e da bondade, que chegam
indicações preciosas, quando comentava São Tomé diante das marcas da
Paixão de Jesus, visíveis no Corpo do Ressuscitado: "Nós encontramos as
feridas de Jesus fazendo as obras de misericórdia ao corpo e à alma; e
eu destaco ao corpo dos nossos irmãos e irmãs que sofrem, que passam
fome, têm sede, estão nus e humilhados, que são escravos, estão presos
ou no hospital. Essas são as chagas de Jesus hoje, e Ele nos pede um ato
de fé n'Ele por meio dessas chagas.
Temos que tocar nas chagas
de Jesus, acariciar Suas feridas, cuidar delas com ternura. Temos que
beijar as chagas de Cristo literalmente. Como São Francisco, que, depois
de abraçar o leproso, viu a sua vida mudar. Não precisamos de um curso
de reciclagem para tocar no Deus vivo, mas simplesmente sair às ruas,
procurar, encontrar e tocar nas chagas de Cristo no pobre, frágil e
marginalizado. Uma coisa que não é simples nem natural.
Peçamos a
São Tomé a graça de ter a coragem de entrar nas feridas de Jesus com a
nossa ternura, pois, certamente, teremos a graça de adorar o Deus vivo"
(Homilia do dia 3 de julho de 2013). É o tempo da Igreja servidora e
criativa na caridade! É tempo de olhar ao nosso redor para que ninguém
passe em vão ao nosso lado!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
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